Filhos de sangue e osso | Resenha ☆☆☆☆☆
- Mih Moraes
- 19 de abr.
- 3 min de leitura
Alguns livros não são apenas lidos — são vividos. Filhos de Sangue e Osso foi, pra mim, um desses encontros raros, potentes e inesquecíveis. Logo nas primeiras páginas, percebi que não era só uma história de fantasia: era um chamado. Um chamado à memória, à ancestralidade, à luta.
A jornada de Zélie é intensa e visceral. Ela não é uma heroína perfeita, e é exatamente por isso que a amei tanto. Com sua coragem crua, sua impulsividade e seu coração cheio de dor e esperança, ela carrega a alma de um povo inteiro. Eu senti junto com ela a perda, o medo, a raiva – mas também a centelha da magia que renasce, mesmo em meio ao caos.
O universo de Orïsha é de uma riqueza impressionante. A mitologia, os elementos mágicos, os laços familiares, os conflitos políticos... Tudo é costurado com tanto cuidado e profundidade que parecia que eu estava dentro da história. Senti o cheiro da floresta, ouvi os cânticos antigos, vi os cabelos se erguerem com a força do ashê. É uma fantasia que tem raiz, que tem pele, que tem sangue.
Mas o que mais me arrebatou foi como Tomi Adeyemi inscreve nas entrelinhas temas tão urgentes e dolorosos: o genocídio de um povo, o apagamento da cultura, a criminalização dos corpos pretos, o medo daquilo que não se pode controlar — e a beleza da resistência mesmo quando tudo parece ruir.
É impossível sair ilesa dessa leitura. Cada batalha foi um eco das nossas. Cada silêncio, uma ausência que reconhecemos. Cada magia despertada, uma lembrança de que a força não está apenas nas armas, mas também nas histórias que contamos, nas tradições que mantemos vivas, na coragem de existir com dignidade.
Essa leitura me atravessou de um jeito muito profundo. Me vi como mãe, como mulher preta, como contadora de histórias. Me lembrei da importância de preservar o que somos, mesmo quando o mundo tenta nos apagar.“Eles tomaram tudo de nós. Agora vamos tomar de volta.” — essa frase ficou gravada em mim como um mantra.
Recomendo de coração aberto. Pra quem ama fantasia, pra quem busca representatividade, pra quem quer sentir a literatura pulsar no corpo. E, principalmente, pra quem acredita que resistir também é uma forma de magia.
DICAS DA MIH
Deixo aqui outros livros com a mesma temática e que podem te encantar também :)
Essa é uma dica ouro! Escrita por uma autora nigeriana-americana como Tomi Adeyemi, a trama acompanha Tarisai, uma jovem com um dom raro que precisa enfrentar um destino imposto. O mundo é riquíssimo, cheio de cultura africana, intrigas políticas e muita magia. É praticamente uma irmã espiritual de Orïsha.
Considerado por muitos o “Harry Potter africano”, esse livro apresenta uma protagonista albina nigeriana que descobre pertencer a um mundo mágico oculto. A mistura de cultura africana, poderes ancestrais e amadurecimento faz desse livro uma escolha maravilhosa pra quem se encantou com a jornada de Zélie.
É uma fantasia poderosa e visceral que mistura mitologia africana, crítica social e protagonismo feminino negro de forma arrebatadora. Acompanhamos Deka, uma jovem marcada por um sangue que a torna diferente — e, por isso, perigosa aos olhos de uma sociedade brutalmente patriarcal. Mas é justamente essa diferença que a conduz a uma jornada de descoberta, resistência e reconstrução de identidade.
Uma distopia afiada e cheia de dilemas morais. Em um mundo onde a morte foi vencida, os Ceifadores são os únicos autorizados a tirar vidas para manter o equilíbrio. A escrita é fluida, os questionamentos são profundos, e os personagens te deixam com o coração na mão. Assim como Zélie, os protagonistas enfrentam escolhas éticas difíceis e um sistema opressor.
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